Na telessérie e nos quadrinhos norte-americanos The Walking Dead, um apocalipse zumbi colapsa o Estado e a sociedade no mundo inteiro.
Nesse cenário desolador, minúsculas comunidades humanas tentam sobreviver da coleta de destroços do mundo anterior e de atividades bem limitadas de agricultura e pecuária.
Não demora para um conjunto dessas comunidades serem exploradas pelo enigmático Negan, um senhor da guerra e sua milícia fortemente armada e bem treinada – chamados Os Salvadores – que oferecem segurança às comunidades contra as hordas de mortos-vivos, mas, principalmente, contra suas próprias forças, em troca da maior parte da comida e dos recursos que esses sobreviventes menos poderosos produzem.
Negan não negocia adesão voluntária. Sua “proteção” é imposta pela força, bem como sua taxação.
De fato, o senhor da guerra declara em determinado ponto da série de televisão: “Essa é a nova ordem mundial”.
Negan reinvindica para si o monopólio da violência – sua primeira ação ao dominar uma comunidade é remover praticamente quase todas as suas armas – a exemplo do Estado moderno. Em troca da promessa de segurança, ele impõe uma pesada “taxação”, novamente um comportamento estatal bem conhecido.
Quando os heróis da narrativa, tanto na telessérie como nos quadrinhos, tentam desafiar Negan, ele arrebenta de forma cruenta e implacável, com seu indefectível porrete Lucille, envolto em arame farpado, os crânios de alguns dos personagens principais, impondo de forma chocante sua autoridade e quebrando os espíritos de seus adversários para se dobrarem às suas regras.
O Estado moderno é o Negan da atual ordem mundial, oferecendo segurança em troca de impostos, cujo pagamento não pode ser negado pelos seus súditos, ansiando por desarmar a população e impor seu monopólio da violência, reduzindo a liberdade do homem comum e reforçando sua autoridade férrea.
No Brasil, esse modelo fracassou.
A função principal do Estado moderno é a garantia da segurança. Tudo mais, incluindo, saúde e educação, são secundários. A justificativa da existência do Estado reside na sua capacidade de garantir a vida e a propriedade dos seus cidadãos.
O Estado brasileiro é incapaz de oferecer segurança à população, nossos indíces de violência superam os de muitas guerras civis espalhadas pelo globo, ainda que exija a submissão do cidadão ao exercício do seu monopólio da violência, privando-o, com determinação, do seu direito de portar armas para sua autodefesa.
No Brasil, o monopólio da violência supostamente exercido pelo Estado é virtual, pois a criminalidade, muitas vezes, controla fatias inteiras do território nacional sob a força das suas próprias armas e ainda atua para subverter o aparato estatal em diversas outras áreas.
A despeito dos palhaços que tiravam fotos durante a pandemia para postar nas redes sociais agradecendo à falida máquina de saúde pública pela vacinação, quem pode foge da saúde e da educação provida pelo Estado brasileiro.
O cidadão brasileiro paga dobrado por serviços considerados básicos em qualquer país minimamente civilizado.
A população é obrigada a bancar, com seus impostos, os imprestáveis serviços de segurança, saúde e educação prestados pelo Estado.
Enquanto paga, novamente, do próprio bolso, por segurança privada, escola privada e plano de saúde privado para passar longe dos serviços fornecidos de forma incompetente pela máquina pública.
Em outras palavras, no Brasil o Estado morreu e virou um morto-vivo cambaleante, alimentando-se da sociedade sofrida, transformando num apocalipse diário a vida do cidadão comum.
Nesse ritmo, o Brasil arrisca se livrar da carcaça estatal inútil, em troca da segurança oferecida por um Negan, sua Lucille e seu bando de Salvadores.