Prezados leitores, este é o quarto e último artigo da série sobre os fundamentos para uma política educacional efetiva – aquela em que todos os estudantes aprendem o que foi proposto (com sorte, em um currículo academicamente ambicioso). A esta altura, as senhoras e os senhores já sabem quais são os componentes da educação efetiva: um currículo claro que contenha a lista progressiva de objetivos de ensino, livros didáticos que os apresentem e levem à prática, avaliação permanente do que está sendo aprendido e capacidade didática, foco deste artigo de hoje.
Já vou dar logo o spoiler, pois quem for fraco de coração já nem segue a leitura: a sociedade brasileira não tem a menor capacidade de formar as próximas gerações de técnicos, políticos, cidadãos, professores, cientistas, engenheiros e seres morais partindo do que os futuros adultos devem aprender na educação formal institucionalizada, vulgarmente conhecida como escola.
Desde que os franceses convenceram o mundo de que lugar de aprender era em escolas estatais laicas e não no seio das famílias, monastérios ou escolas comunitárias, tivemos uma expansão brilhante do setor educacional no mundo. Má ideia? Não para os países da Europa que já cultivavam a tradição de formar suas elites da nobreza, clero ou militar. Afinal, quem toma esse ponto de partida faz uma expansão do sistema contando com as sementes da fórmula que estou tentando explicar aqui: currículo + livros + avaliação e, principalmente, expertise didática. Mas para quem estava nos trópicos, curtindo a mulherada, a natureza farta e ficando rico com os abundantes recursos locais, para que estudar? Quando necessário, mandávamos os morgadinhos para a metrópole e ficava tudo certo.
Assim, quando resolvementos expandir a educação escolar no Brasil, no início dos anos 1970, a taxa de analfabetismo absoluto para pessoas de 15 anos ou mais era de 33,6%, uma das maiores do mundo ocidental. Ou seja, mais de três a cada 10 pessoas não sabiam sequer escrever o próprio nome. Como a economia tem que andar e há outras prioridades, quantas pessoas capazes e com interesse para ser professores haveria no sistema educacional quando se tomou a decisão de universalizá-lo? Uma vez que fazer com que a população fosse realmente letrada continuou a não ser prioridade, o sistema foi expandido (lembram? fornecedores, empregos, gastos sem fim) sem professores capacitados, pois nunca houve um esforço realmente sério de construção de capacidade didática para a nação brasileira.
Além disso, com uma população vastamente iletrada na base, a elite fatalmente terá todos os seus parâmetros educacionais e acadêmicos puxados para baixo: não há professores de alto nível para seus filhos e os pais não têm a menor condição de discernir o que seja educação de qualidade, quer para cobrá-la das instituições de ensino de seus filhos, quer para acompanhar sua vida escolar ou ajudá-los com as tarefas de casa. Soma-se isso à vida corrida e hedonista do mundo atual e temos o tal fenômeno da completa terceirização da educação para os funcionários das escolas que é a base da catástrofe educacional em que nos metemos.
Capacidade didática de uma comunidade é o somatório da formação técnica de profissionais de educação com o nível de instrução e padrão moral das famílias. Aliás, é mais ou menos isso que está no artigo 205 de nossa Constituição (aquela que deixou de ser).
Com baixa capacidade didática, a vida escolar das próximas gerações de uma sociedade pode ser facilmente reduzida a uma experiência de doutrinação e corrupção moral, algo que começa a incomodar uma parte das famílias no Brasil e no mundo e que tem relação com movimentos ditos conservadores. Embora nem todo pai exigente seja conservador e – mais importante – nem todas as famílias que se acham conservadoras sejam exigentes com a formação intelectual e moral de seus filhos, há sim uma relação forte entre a percepção de que escola serve para ensinar os alunos a, principalmente, se comunicar efetivamente em uma ou mais línguas, além de desenvolver raciocínio matemático complexo e uma visão de mundo que respeita o passado e o legado de gerações passadas para construir o futuro.
“Capacidade didática de uma comunidade é o somatório da formação técnica de profissionais de educação com o nível de instrução e padrão moral das famílias”
As famílias são parte do problema, mas podem também ser parte da solução. No entanto, se as escolas resistem a essa cobrança por instrução em bom nível e formação moral para o bem comum e insistem no modelo de criação de exércitos de zumbis ideológicos e consumistas, nasce outra força dentro da sociedade: o desejo de fugir das instituições de ensino e voltar ao ensino doméstico de antes da Revolução Francesa.
O segredo para o ensino de qualidade, tanto em ambiente escolar quanto doméstico é ter à mão material instrucional à altura, algo que praticamente inexiste no Brasil, exatamente pela inércia que descrevi acima. Quem quer complementar a educação de seus filhos, ou fazê-la inteiramente em casa ou com outras famílias, esbarra no deserto de obras didáticas e paradidáticas – além de se confrontar com ira dos donos das escolas públicas (sindicatos) e privadas. Quem passou a se interessar de verdade pela educação de seus filhos descobre que, no Brasil, quase não há como fugir da armadilha do não ensino porque acordamos tarde demais. A solução, na minha opinião, está em editoras estrangeiras que guardaram o conhecimento de gerações anteriores de outras sociedades ocidentais perceberem essa demanda por qualidade e virem vender suas obras por aqui. Se tentarmos reinventar a roda, vamos continuar chafurdando na ignorância acadêmica e moral.