Robson Oliveira, professor, escritor e analista político.
Por muitas razões, convém às ideologias materialistas corromper ou neutralizar as vozes reconhecidamente religiosas das nações sob seus ataques. De fato, na medida em que o materialismo supõe um sistema imanente e autorreferenciado de valores, um sistema que rejeita quaisquer absolutos morais, religiões que porventura façam parte do ambiente cultural da nação vitimada precisam ser contaminadas (tomadas por dentro), ridicularizadas ou neutralizadas. E para tanto, os militantes ideológicos precisam incentivar a fé numa doutrina filosófica que aparente, em alguma medida, com religião. Nem que seja um espantalho de religião. Parafraseando Chesterton:
Só existe uma razão realmente inteligente pela qual uma nação deixa de acreditar em Deus, e essa é que acredite no materialismo[1].
Enquanto a fé em Deus é absolutamente razoável e não exige que se abdique das potências cognitivas para efetuar-se, a “fé” exigida na “igreja” materialista impõe a seus asseclas que abjurem não só de seu intelecto, mas até do mínimo bom senso. Num ambiente assim, o materialismo não consegue prosperar na camada social mais básica, que equivale ao grosso dos movimentos políticos. Eis a razão das perseguições implacáveis aos religiosos, ocorridas em todas as ditaduras ou autocracias da história humana até hoje. Com efeito, Roma perseguia e martirizava velhos, mulheres, crianças e qualquer um que ousasse insubordinar-se contra o Imperador; o budismo tibetano agoniza (e resiste) há mais de 50 anos sob a bota comunista da China; os tártaros ou bárbaros, como gafanhotos, destruíram o Império Romano e deixaram rios de sangue descendo da Sibéria e chegando até o Mediterrâneo. Tudo para calar o espírito religioso de uma época.
Jamais uma nação autocrata tentou subjugar seu povo, sem que antes calasse seus profetas. Jamais um ditador pretendeu calar opositores, sem começar por seus sacerdotes. Pois é impossível convencer um homem, que dirá um povo, de que seu horizonte é cinza, enquanto alguém teimar em dizer-lhe que o mundo é multicor. É impossível persuadir sequer uma criança que a vida termina numa escuridão cadavérica, enquanto nem que seja apenas uma mulher gritar que há um Sol Invicto, que virá baixar o véu da outra vida.
Numa época como a atual, na qual a razão humana passa por uma crise incomum, resta às religiões a tarefa de reunir os valores verdadeiramente humanos, valores que sustentam as culturas, as famílias, as nações, a fim de oferecer uma resposta à sede de sentido que esmurra as portas do homem de nossos dias. Num tempo como este, cabe à religião propor aos homens aqueles valores e princípios que serão a última barreira contra a barbárie e contra os desmandos irrazoáveis, dos quais já ouvimos falar.
Quando políticos levantam-se para prender bispos, algo diferente está acontecendo. Quando juízes arrogam-se senhores absolutistas, definindo o que um sacerdote pode ou não dizer em sua homilia, o que pode ou não escrever num livro, quando isso acontece, é sinal que um espectro ditatorial espreita perigosamente.
Quando religiosas são expulsas de uma nação e são tratadas como criminosas, sem sequer um único ato de desagravo dos que testemunham esta maldade, algo muito torpe está a caminho.
Orweel, sempre Orwell, ensina-nos sobre o papel do religioso nas nações: ele é o preguiçoso, que auxilia os revolucionários a manterem quietinhos os animais. Em A Revolução dos Bichos (Animal Farm – Georg Orwell), o escritor afirma que Moisés era inimigo da revolução e depois se tornou colaborador. E isto aconteceu porque, segundo o autor, na Fazenda dominada por comunistas, ou você trabalha contra a revolução, ou você serve à revolução. E nem os religiosos estão livres de decidir sobre um dos dois lados. A pergunta que realmente importa é: de que lado da história os religiosos querem ficar?
[1] Cf. CHESTERTON, G. K. São Francisco de Assis. Campinas: Ecclesiae, 2014, p. 118.