Entre Sufrágios e Naufrágios: Um Olhar sobre o Voto Feminino
Entre Sufrágios e Naufrágios: Um Olhar sobre o Voto Feminino
Por Ana Caroline Campagnolo
Disse o Arcebispo Fulton Sheen que “A marca do homem é a iniciativa, mas a marca da mulher é a cooperação”. Foi da sinergia entre as distintas características entre os sexos que árduas e virtuosas conquistas foram alcançadas, dentre as quais as feministas costumam se adonar. Com o voto não poderia ser diferente, principalmente neste 3 de novembro, dia em que se comemora a Instituição do Direito ao Voto Feminino no Brasil e a atuação do movimento sufragista. Entre as sufragistas que se destacaram podemos citar Deolinda Daltro, que fundou o Partido Republicano Feminino e a bióloga Bertha Lutz, que liderou a “luta pelo voto”, homenageada por ter organizado o primeiro congresso feminista do país, a União Universitária Feminina, a Liga Eleitoral Independente, a União Profissional Feminina e a União das Funcionárias Públicas. Ela fundou também a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher em 1919. No entanto, apesar da bonita intenção de Bertha, em 1883, Izabel de Souza Mattos já havia sido diplomada em odontologia pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, além de ter obtido autorização para votar durante o período imperial (e as sufragistas eram republicanas). A própria Bertha já era bióloga quando começou a defender o direito das mulheres de estudarem.
Em 1919, o Senador Justo Chermont apresentou o primeiro projeto de lei para incluir as mulheres como votantes. A contribuição do movimento sufragista foi recolher assinaturas para um abaixo-assinado. O projeto não vingou. Com a Lei nº 660, de 25 de outubro de 1927, o primeiro estado brasileiro a institucionalizar o voto foi o Rio Grande do Norte. A decisão foi tomada pelo governador Juvenal Lamartine. Mesmo depois de habilitadas, apenas 10% das mulheres compareceram às urnas para votar no primeiro ano após a aprovação. Depois do decreto nacional de Vargas em 1932, liberando as mulheres para votarem, nos meses seguintes, o “alistamento eleitoral foi realizado no Brasil inteiro. Em alguns estados o número de mulheres que havia se inscrito ficou aquém do esperado” . Ninguém estava lhes impedindo e ainda assim não compareceram às urnas.
O que de efetivo sabemos é que Celina Guimarães Viana – que nasceu no Rio Grande do Norte – foi a primeira mulher brasileira a ter um título de eleitor emitido um mês após a Lei 660/1927. É conhecida por esse fato, mas a repercussão impressionou até a ela mesma – que reconhece que o esforço nunca foi seu nem de nenhum movimento de feministas. Em uma entrevista, conta que foi o seu marido quem teve a iniciativa e correu atrás do documento que a fez entrar para a história como a primeira mulher da América Latina a obter um título de eleitor: “Eu não fiz nada! Tudo foi obra de meu marido, que empolgou-se na campanha de participação da mulher na política brasileira e, para ser coerente, começou com a dele, levando meu nome de roldão. Jamais pude pensar que, assinando aquela inscrição eleitoral, o meu nome entraria para a história. E aí estão os livros e os jornais exaltando a minha atitude. O livro de João Batista Cascudo Rodrigues […] colocou-me nas alturas. Até o cartório de Mossoró, onde me alistei, botou uma placa rememorando o acontecimento. Sou grata a tudo isso que devo exclusivamente ao meu saudoso marido”. A declaração de Celina Guimarães exemplifica perfeitamente as queixas de Simone de Beauvoir: as mulheres não conquistaram, elas receberam.
Vale evocar também o Decreto 21.076 que permitia voto o feminino no Brasil, assinado em 1932 por Getúlio Vargas, afinal, é divertido lembrar às feministas brasileiras de que elas só podem votar graças a um ditador fascista. É igualmente divertido imaginar que Vargas fosse feminista, pois, certamente, não era nem queria ser. Mas, afinal, se não foram as feministas que conseguiram a autorização para o voto feminino, quem foi? Uma resposta simplista pode ser bem escandalosa: foram os homens que planejaram a república, a democracia e o liberalismo e foi a evolução cultural deles que permitiu às mulheres fazerem parte dessas conquistas. Quase todas as boas coisas que os homens têm feito pelas mulheres foram feitas sem nenhuma coação (até porque as mulheres não teriam força para “enfrentar o macho na luta”, como disse Simone de Beauvoir). Os homens, estes sim, derramaram suor e sangue para acessarem o voto.
Vários movimentos lutavam pelo sufrágio universal antes do feminismo. O liberalismo clássico, por exemplo, apareceu muito antes de qualquer bandeira feminista. Tanto é assim que o voto feminino era defendido por parlamentares liberais em todo o mundo. Aqui no Brasil, um de seus grandes defensores era o senador José Antônio Saraiva do Partido Liberal e seu colega de partido deputado César Zama. O movimento pelo sufrágio universal não era uma questão de sexo, mas de cidadania plena, pois pretendia incluir a maioria dos homens que também não podia votar. Para os sufragistas universais, o voto deveria ser concedido independente de religião, cor, raça, propriedade ou condição financeira. Para outros, era preciso educar as pessoas primeiro. A cartilha sobre “O voto feminino no Brasil” , publicada pelas Edições Câmara, explica que: “enquanto Mill defendia o sufrágio universal para eleitores qualificados, isto é, alfabetizados, Comte não apreciava a ideia de haver muita gente interferindo no governo, pois achava que isso abriria espaço para paixões políticas” e todo esse debate acontecia antes de qualquer primeira passeata promovida por coletivos do feminismo.
Por falar em paixões políticas e suas interferências, é interessante observar que alguns portais feministas divulgam eles mesmos dados sem se dar conta da contradição: “o TSE identificou que 16.131 candidatos não tiveram nenhum voto. Mais interessante: 89,3% deles, ou 14.417 destas pessoas, eram mulheres. Esses nomes, na verdade, são incluídos pelo partido apenas como forma de cumprir a cota […] Assim, estas ações afirmativas não tiveram o sucesso que as feministas sonharam e tanto lutaram […] a desilusão com os pífios resultados obtidos nas eleições explique o pouco interesse feminino com a militância partidária”. Ou seja, as feministas conseguiram colocar mais de 14 mil mulheres em situação de “candidatura-fantasma”. Tal acontecimento é consequência direta de uma política forçada de cotas, uma vez que as mulheres não são impedidas de participar da política e mais: compõem maioria do eleitorado (52%), sendo dotadas de plenas condições para exercer a cidadania e soberania, tanto como eleitoras como quanto candidatas.
Como bem ensinou o economista Milton Friedman, “Nada é tão permanente quanto um programa temporário do governo” – com o pequeno grande acréscimo da desordem por ele causada.
RIBEIRO, Antônio Sérgio. A Mulher e o Voto. 21/09/2012. Artigo disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/bibliotecaDigital/277_arquivo.pdf
VAINSENCHER, Semira Adler. “Celina Guimarães Viana”. Pesquisa Escolar Online. Recife: Fundação Joaquim Nabuco. 28 de julho de 2008. Consultado em 13 de junho de 2021
Alguns liberais também eram contra o sufrágio feminino porque temiam o momento de transição para o regime republicano e queriam evitar qualquer risco ou agitação. cf. O voto feminino no Brasil, p.72
MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. O voto feminino no Brasil. 2ª ed. Brasília: Câmara dos Deputados. Edições Câmara, 2019, p.41.
“A política de cotas para as mulheres no Brasil: importância e desafios para avançar”. Portal Gênero Número. Publicado por Hildete Pereira de Melo em 13/09/2018. https://www.generonumero.media/a-politica-de-cotas-para-as-mulheres-no-brasil-importancia-e-desafios-para-avancar/